Ten Cel Esp Av Rfm Jocelyn S. dos Reis
O tempo
passa rapidamente e, esta dinâmica, faz com que o “mundo da aviação” a cada
dia, receba novos profissionais quais sejam: técnicos de manutenção, pessoal de
apoio de rampa, gerentes de manutenção, novas empresas, novos diretores e,
principalmente, novos operadores ou pilotos. Todos, ilustres “descendentes de
Adão”, com todas as vulnerabilidades características do homo sapiens,
talvez sem ter em suas memórias alguns fatos desagradáveis, como por exemplo,
acidentes aeronáuticos onde a falha humana foi o principal fator contribuinte.
Vivemos
tempos difíceis e inéditos de uma pandemia que assola o planeta desde fevereiro
do ano passado (2020), que até agora (abril 2021) ceifou as vidas de muitos
milhares de pessoas. Os cientistas numa corrida desesperada e heroica, em pouco
tempo produziram um antídoto contra o corona vírus, impedindo sua sanha
assassina. Entretanto, os atuais seres humanos herdaram do primeiro homem acima
citado, uma vulnerabilidade para alguns “vírus” que já mencionei tantas vezes
em palestras ou aulas, os quais infectam especialmente muitos profissionais de
aviação. São eles: imprudência, imperícia, negligência, preguiça,
complacência, distração e esquecimento. Este último, é terrível, com alto grau
de letalidade.
Uma
música do cancioneiro nacional diz que RECORDAR É VIVER. Então, como
instrutor de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos tendo como público alvo os
operadores e mantenedores de aeronaves, sinto-me na obrigação de combater o
“vírus” do esquecimento, procurando fazer com que estes profissionais mantenham
sempre um elevado nível de consciência situacional, quanto aos cuidados e práticas preventivas
relacionadas com combustível de aviação. Mesmo que você ainda não seja um(a)
integrante da grande “família SIPAER”, ao ler e meditar nestas considerações,
observará que muitos eventos catastróficos na forma de graves acidentes
aeronáuticos virão à sua mente, mesmo que tenham ocorrido há muitos anos. O
principal objetivo deste artigo é provocar uma meditação sobre os cuidados e
atenção especiais que devem ser dispensados ao “item” combustível, em todos os procedimentos que
antecedem a realização do voo. Vamos relembrar alguns acidentes que se tornaram
emblemáticos pela forma como eles aconteceram, tendo como fator
contribuinte primário ou secundário, o combustível (qualidade ou quantidade).
Num
passado recente, estive presente em dezenas de Encontros, Jornadas ou
Seminários de Segurança de Voo (ou Operacional para alguns) e, poucas foram as
ocasiões em que acidentes resultantes da falha humana relacionada com o assunto
em tela, foram analisados com a necessária profundidade. A força da gravidade
não admite erros. Quando o combustível é o foco das investigações como fator
contribuinte para o evento, surgem algumas questões inevitáveis: Estava
contaminado? A quantidade abastecida foi correta em função da etapa de voo,
considerando-se o peso máximo de decolagem (temperatura/altitude do aeródromo)?
Será que o sistema de alimentação do(s) motor(es) não entupiu? O
plano de voo foi elaborado com algum erro em função das condições
meteorológicas da rota? A aeronave não
foi abastecida com combustível errado? Houve algum destanqueio indevido antes da
decolagem? Houve erro quanto ao correto cumprimento do plano de voo?
Fonte: Internet O combustível foi checado
? foram colocados decalitros ou litros?
Amigo(a)
leitor(a), como é do seu conhecimento, vivemos
uma época em que a engenharia aeronáutica, “assessorada” pelas demais
engenharias, atingiu um elevado grau de
perfeição fazendo com que a possibilidade de falha do equipamento (motor,
célula e demais componentes), seja
ínfima. A construção de aeronaves obedece a rígidas normas internacionais, em
total obediência aos postulados da Qualidade. Todavia, eventos
funestos continuam a ocorrer conforme os dados estatísticos mostram, sendo a
falha do homem, a grande responsável pela maioria dos acidentes aeronáuticos.
Foram criados sistemas redundantes (duplicados ou até triplicados), sistemas
especiais de alarme, “corta circuitos”, sistemas especiais de extinção de
incêndio, etc. Mas, em contrapartida, nos hangares e oficinas de manutenção, nos
ambientes de controle de tráfego aéreo e, principalmente nas cabines de comando
das aeronaves, estão os “Adões” modernos totalmente vulneráveis aos terríveis
“vírus” citados no terceiro parágrafo destas considerações. São substantivos
comuns abstratos, mas produzem eventos muito concretos, reais, fatais! E o pior
de tudo, não existem “vacinas" contra eles.
Agora,
com o raciocínio devidamente estimulado e aquecido, vamos relembrar
numa descrição sucinta, quatro eventos ocorridos há alguns anos. Se você se
lembrar de algum fato recente e semelhante (recorrente), verá que os “atores e
atrizes” são outros, mas o “enredo” é o mesmo, infelizmente.
1º caso:
aeronave Cirrus 22, 2 de março de 2008, Jacarepaguá-RJ, quatro mortos. Fator
contribuinte principal: combustível errado. A aeronave foi abastecida com
querosene (QAV), em vez de gasolina (AVGAS). Qual “vírus” presente?
Distração? Imperícia?...
2º caso:
aeronave Emb-110 (Bandeirante), 26 de dezembro de 2002. Rota pretendida, SP/CO.
A aeronave já estava preparada e abastecida, mas na véspera surgiu a
necessidade de embarcar mais passageiros. Para que o peso máximo de decolagem
não fosse ultrapassado, optou-se pela execução de um destanqueio. Segundo o
relatório de investigação, ficou demonstrado que o procedimento de retirada de
combustível foi executado de modo errado, não previsto nos manuais do
fabricante, induzindo uma pane de falsa indicação nos liquidômetros,
fazendo com que esses instrumentos indicassem uma quantidade maior que a real.
Consequências: durante o voo, nas proximidades de Curitiba, ocorreu pane
seca num dos motores. A tripulação executou os procedimentos de praxe, mas
não conseguiu reacender o motor, acionou o controle de tráfego aéreo em
emergência e foi vetorada para pouso em Curitiba. Mas, a poucos metros da
cabeceira da pista, entrando na reta final para pouso, o outro motor também
apagou e a aeronave caiu, ficando totalmente destruída. Houve fatalidades. Conclusão:
falha da manutenção nos procedimentos de destanqueio. Quais “vírus”
presentes? Imperícia? Negligência?...
3º caso: Voo VRG 254, 3 de setembro de 1989. Neste acidente que repercute até hoje, o combustível, ou seja, a falta do mesmo, foi um fator secundário, mas decisivo para a ocorrência do evento. A rota era Marabá/Belém, pouco tempo de voo para um B-737. Após a decolagem, a aeronave deveria tomar a proa 027, mas por motivos outros foi inserida no sistema de navegação, a proa 270. A direção correta era para o norte, mas a aeronave tomou a direção oeste. O combustível que estava na aeronave era suficiente para cumprir a etapa até Belém. Todavia, depois de um tempo considerável, a tripulação percebeu que algo estava errado. Conclusão: a distância percorrida foi muito longa e o combustível já estava no final. Pane seca, queda da aeronave e fatalidades. Houve sobreviventes, sendo um deles, o próprio comandante. Quais “vírus” presentes neste caso, além da falta de CRM (Gerenciamento dos Recursos de Tripulação)? Distração? Esquecimento?...
Certamente
você deve estar se lembrando de mais outros tristes eventos, como o voo da empresa
Lamia que ceifou tantas vidas. Falta de atenção no momento do reabastecimento,
quanto ao medidor do caminhão-tanque se é em litros ou decalitros, é outro
exemplo de falha humana que contribuiu para a queda de aeronave. Outro caso (de
número 4) terrível, com dezesseis fatalidades, foi o acidente com um Emb-110
que partiu de Brasília para Guaratinguetá em novembro de 1991. Como o aeródromo
de Brasília fica a mais de 1000 m acima do nível do mar e com a aeronave
completamente lotada com passageiros e bagagem, a quantidade de combustível
colocada foi a mínima permitida, em função do peso máximo de decolagem. Este
fato implicaria na realização de um pouso técnico em Araxá ou Uberaba. Todavia,
por motivos outros, depois da decolagem, decidiu-se por voo direto. Na fase de
aproximação em Guaratinguetá em função do pouquíssimo combustível remanescente,
a aeronave se chocou com a Serra da Mantiqueira numa altitude de 6000 pés. Deixo
por sua conta amigo(a) leitor(a), depois de uma breve análise, apontar quais
“vírus” estiveram presentes neste caso.
Poderíamos
citar ainda muitos outros casos, mas creio que atingi o objetivo deste modesto
artigo, que foi fazer você analisar estes eventos, de modo que o seu nível de
consciência situacional quanto ao fator combustível, esteja sempre alto.
Reflita bastante porque aerovia não tem acostamento!
O autor, Ten
Cel Reis (FAB), trabalhou como gerente
de manutenção de aeronaves por mais de 15 anos. Ingressou na “família SIPAER”
em 1987 e desde 1997 é instrutor de Segurança de Vôo para Fator Operacional
Manutenção, tendo produzido diversos materiais didáticos desta área.
Parabéns pelo artigo, muuto bom.
ResponderExcluirUma artigo bem atual, pois no cenário da aviação, "temos pessoas novas cometendo erros antigos" !
ResponderExcluirExcepcional artigo Cel Reis, importantíssimo para elevar o Alerta Situacional dos operadores do sistema da aviação. Parabéns.
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